Kim Kataguiri e o Partido do Eu

Camila de Sousa Machado*,  Florence Perez**, Letícia Linhares***, Mayara Portugal da Silva****

1. INTRODUÇÃO

Kim Kataguiri foi o 10º deputado federal mais votado do Brasil, no pleito de 2022. Em 2018, com apenas 21 anos, chegou a ser o quarto mais votado, com 400 mil votos. Antes de alcançar essa façanha, ele ajudou a fundar o Movimento Brasil Livre (MBL), conhecido por liderar uma série de manifestações contra a governança do Partido dos Trabalhadores (PT), a partir de 2014. Emergir de um movimento que lhe rendeu mais de um milhão de seguidores nas redes sociais, permitiu criar uma plataforma de campanha eleitoral e entrar no campo político. Fruto de uma nova dinâmica de comunicação com o eleitor, que abriu espaço para outsiders, personalidades sem carreira política prévia, ele chega ao Congresso Nacional por uma via muito distante da tradição de um partido convencional. Ele não precisa se apropriar de discursos partidários. Ele é a própria narrativa. 

Bem como outros outsiders políticos, Kim surge num período de grande crise de representação não só no Brasil, mas no mundo inteiro. O neoliberalismo, como modelo econômico, parece não conseguir atender as necessidades de boa parte da população, frente aos problemas sociais e às enormes desigualdades, que nutrem uma percepção de falta de democracia. “Porque os cidadãos vão aos políticos e lhes demandam coisas, serviços, mudanças e os políticos dizem que não podem fazer nada porque o mercado decide tudo. É claro que se forma um forte ceticismo sobre a política e sobre a classe política” (Gerbaudo, 2022). 

Neste contexto, os discursos antissistema ganham força e viralizam nos meios digitais, resultando nas Jornadas Junho (2013). O reflexo aparece nas urnas: a renovação de 52% na Câmara dos Deputados e 85% no Senado, em 2018. Entre os novatos, aparece Kim, com discursos que são, basicamente, de crítica da ordem estabelecida e do governo em exercício. 

2. NEOLIBERALISMO E A CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADE

O neoliberalismo, enquanto sistema econômico e cultural, pode ajudar a entender melhor o surgimento de outsiders como Kim Kataguiri. Ele, que ganha visibilidade com discursos antissistema — prática que ganha força à medida que o sistema neoliberal gera um descrédito em relação ao regime democrático — consegue tornar-se um fenômeno político fazendo valer uma premissa do modelo neoliberal: concebendo a si mesmo como uma empresa. 

É preciso voltar um pouco no tempo para entender melhor. Ideologia pode ser compreendida como um modo de interpretar o mundo e lhe conferir um significado, além de orientar políticas públicas (Rosas e Ferreira, 2014, p. 5). Esse sistema de crenças é concebido num determinado tempo histórico buscando solucionar questões sociais, políticas e econômicas. Do ponto de vista histórico, o neoliberalismo vai reagir aos chamados intervencionismos estatais, como o Keneysianismo[1]1, que surgem após a quebra da bolsa norte-americana em 1929. Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek são expoentes mais famosos da chamada Escola Austríaca. 

Os teóricos neoliberais defendem a essencialidade do livre mercado, a privatização de estatais, a retirada de proteção ao capital estrangeiro em investimentos, a desregulação do Estado na economia e a proteção da propriedade privada dos meios de produção. O acúmulo de riquezas sem precedentes, gerando graves desigualdades sociais, são consequências dessa lógica, que se baseia na competição e “[…]” com a ideia de que se os ricos são mais ricos é melhor para todos” (Gerbaudo, 2022). 

Essa estrutura de pensamento ideológico cria novas formas de produção de consciência, que derivam da construção de uma sociedade a partir do mercado. “Neoliberalismo é um sistema normativo que ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas da vida” (Dardot e Laval, 2016, p. 7). Portanto, toda ação humana passa a ser medida por uma relação de custo-benefício, onde há um reforço de tendências desigualitárias. “Essa norma impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar em luta econômica uns contra os outros […]” (Dardot e Laval, 2016, p. 14). 

O desmantelamento da lógica coletiva aqui posto pela perspectiva neoliberal, é o cenário onde Kim se apresenta. Ao comportar-se como uma empresa de si, ele reforça a ótica neoliberalista em sua postura, cuja percepção se dá, sobretudo, pelo ponto de vista da competição. Destacamos a competição pois é possível detectá-la ao longo de toda a trajetória política de Kim: das manifestações em Junho de 2013 e a criação do MBL, ao período de campanha eleitoral e após eleito, fortemente difundida em suas redes sociais. 

Mas não se trata, contudo, do significado amplo de competição, e sim de sua interpretação a partir do significado atribuído ao sujeito neoliberal. “O homem neoliberal é o homem competitivo, inteiramente imerso na competição mundial” (Dardot e Laval, 2016, p. 322). Ou seja, trata-se da competição na perspectiva do competidor contra si mesmo e na comparação com o outro. É sob a ótica da competição que o individualismo, outra marca fundante do neoliberalismo, se posiciona, pois à medida que o sujeito se coloca sempre em competição consigo e com o outro, sua busca é pelo melhor para si e não pelo bem coletivo. 

As redes sociais ocupam papel central para a construção e disseminação da figura de Kim, não apenas por conta do apelo ao marketing pessoal, mas considerando seu potencial competitivo para a construção imagética de sua persona. O poder de identificação e alcance gerado pelas redes sociais ampliam a influência no comportamento de seguidores, interferindo e alterando diretamente a construção de subjetividade desses sujeitos. Isto, pois, atribui significado à descrença dos sujeitos em relação à velha política. “O princípio geral do dispositivo de eficácia não é tanto, como se disse muitas vezes, um ‘adestramento dos corpos’, mas uma ‘gestão das mentes’” (Dardot e Laval, 2016, p. 324 e 325). 

O que os autores propõem como “gestão das mentes”, é a perspectiva do neoliberalismo mais adequada para analisar o papel das redes sociais na sociedade contemporânea. Essencialmente porque é via redes que detectamos facilmente o comportamento de competição, comparação e usuários “empresas de si”, uma vez que os sujeitos são incentivados o tempo todo por comportamentos de autopromoção. 

“Não estamos mais falando das antigas disciplinas que se destinavam, pela coerção, a adestrar os corpos e a dobrar os espíritos para torná-los mais dóceis — metodologia institucional que se encontrava em crise havia muito tempo. Trata-se agora de governar um ser cuja subjetividade deve estar inteiramente envolvida na atividade que se exige que ele cumpra” (Dardot e Laval, 2016, p. 327).

No primeiro momento, a aposta de Kim na lacuna entre a aproximação política e o povo é feita nas ruas, mas seu aprimoramento e sustentação se dá via mídias digitais, unindo estratégia e oportunismo. Aqui, nos interessa analisar as formas como o jovem político se apropria deste cenário para constituir-se como figura pública e portador da voz de milhares de eleitores que confiam à ele não apenas o futuro do país, como um “novo” modus operandi de enxergar as relações sociais sob a perspectiva do outsider

3. CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

As Jornadas de Junho ganharam visibilidade rapidamente, e com a investida de novos sujeitos, acumulou mais pautas além das iniciais chamadas pela luta contra o aumento de preço das passagens. É neste momento que surge em cena o MBL, liderado por Kim Kataguiri, cuja intenção de participação injetou nas ruas um movimento autointitulado contra a corrupção, mirando a figura de Dilma Rousseff — presidenta em exercício à época — enfraquecendo também seu partido, o PT. 

Após este ato inicial como uma figura representativa da anticorrupção, Kim dá continuidade às suas investidas como sujeito outsider no cenário político. Ou seja, se posicionando de forma personalizada e rejeitando os rótulos daquilo que representa a “velha política”. É neste contexto que se inicia a trajetória de Kim, cuja articulação iniciada em 2013 o levou ao primeiro mandato como deputado federal, em 2018, cinco anos após sua primeira aparição como destaque no cenário sócio-político brasileiro. 

Soma-se o descontentamento da população com a democracia e a plena ascensão das redes sociais e o que temos como resultado é um cenário favorável para Kim Kataguiri. Com pessoas cada vez mais engajadas politicamente no ambiente online, primeiro em páginas e grupos no Facebook — assim como perfis no Twitter — e depois em aplicativos como WhatsApp e Telegram, é possível detectar como uma figura como a de Kim ganha destaque e conquista 400 mil votos em sua primeira eleição para deputado federal. 

4. FENÔMENO POLÍTICO-MIDIÁTICO

O MBL ganha força ao ser legitimado pelas redes, sobretudo por conta de seus discursos contrários ao sistema político, principalmente a governos de esquerda como o PT, e ao impulsionamento de uma agenda neoliberal (Venera, 2021). Figuras centrais desses movimentos como Kim Kataguiri, cofundador e coordenador do MBL, adquiriram status nacional. Kim tornou-se um fenômeno político midiático através de uma conjuntura de eventos que incluíram as Jornadas de Junho e o impeachment de Dilma Rousseff, período em que atuou como colunista no jornal Folha de S. Paulo. 

Antes de compreender a figura de Kim Kataguiri, é necessário abranger a análise para o que Santos (2018) intitula como a “Fórmula MBL”. Pedro Ferreira, um dos líderes do partido, em entrevista para Folha de São Paulo explica que “o MBL tratou de ocupar uma lacuna no cenário político nacional, que tinha uma esquerda romantizada e militante, mas uma direita envelhecida e conservadora” (Santos, 2018, p.191). Esta lacuna é preenchida pelo o que Murray Rothbard, autor que faz parte da bibliografia obrigatória do movimento, denomina como populismo liberal: 

“(…) a necessidade de um movimento carismático, “empolgante, dinâmico, tenaz e confrontador uma nova face da direita que possa combater e confrontar a social-democracia de modo ousado” (Santos abud Murray, 2018, p.191).

O populismo pode ser visto como “uma lógica política que constrói identidades coletivas” (Barros, 2022, p.75), logo não podemos defini-lo como bom ou ruim. Dessa forma, os movimentos populistas podem se manifestar em diferentes contextos mobilizando uma gama de indivíduos. Barros (2022), define o populismo a partir de três características: (1) discurso antagônico de nós contra eles; (2) estética “transgressivo, irreverente, culturalmente popular”; (3) capacidade de transformar instituições. 

“Quando um líder populista fala em nome do ‘povo’, ele participa da construção desse sujeito político. E, como esse ‘povo’ precisa ser construído, nada garante que será emancipador ou reacionário, ou que o antagonismo que estabelece com a ‘elite’ radicaliza a democracia liberal ou a coloca em perigo. Existem vários populismos, e qual será triunfante em cada momento” (Barros, 2022, p. 78).

Outro conceito importante para entender o populismo é o de vulnerabilidade. Na modernidade, de acordo com Claude Lefort, ocorre um rompimento nas referências de certeza. Nesse sentido, o populismo vai oferecer ao indivíduo uma resposta perante as incertezas. Logo, “é compreensível que, diante da vulnerabilidade, as pessoas sejam seduzidas por discursos que prometem certezas, segurança. O populismo reacionário oferece isso” (Barros, 2022, p. 87). 

As mídias sociais catalisam o surgimento de movimentos populistas, uma vez que os indivíduos ampliam suas vozes, o que estimula “o descrédito das figuras de autoridade (…) essas mídias seriam assim um espaço anti-establishment, fundamental no discurso populista.” (Barros, 2022, p. 85). Como um movimento que nasce no âmbito digital, o MBL unifica as características do populismo liberal com estratégias de comunicação focadas nas mídias sociais para ampliar suas bandeiras políticas. Dentre as estratégias do movimento, destacadas por Santos (2018), evidenciamos algumas utilizadas por Kim Kataguiri: (1) uso de narrativas pessoais e personalizadas sobre a política; (2) memes políticos que se utilizam do humor e referências à cultura pop e (3) abreviação de informações com intuito de torná-las “chamativas e atrativas” aos indivíduos. 

Na era da crise da representação e do individualismo, as dinâmicas sociais foram catalisadas de forma que indivíduos almejassem se sentir representados a partir das suas subjetividades. Algo que é reverberado para a esfera política. Nesse sentido, Kim recorre a discursos personalizados, muitas vezes atrelados a memes, para se conectar com os eleitores. A exemplo, ele recorre a diversas estratégias para atingir um público jovem com perfil focado na cultura pop ao utilizar plataformas como o Discord, canais no Youtube e TikTok exclusivo para games (Katagames) e conteúdos políticos com memes e pautas de importância para este público, como taxação e impostos. Em 2022, a comunicação da sua candidatura para deputado federal nas redes sociais, teve como foco a utilização de paródias de aberturas de animes. 

Outra estratégia utilizada pelo político é o uso de narrativas pessoais, que tem como objetivo destacá-lo uma vez no âmago da democracia de público, onde importância se dá a partir do indivíduo, e não do partido. Neste sentido, os seus conteúdos são produzidos de forma a colocá-lo em posição de destaque como contraponto ao sistema. O lançamento do livro de sua autoria “Como um grupo de desajustados derrubou a presidente” (2019), é um exemplo de construção dessas narrativas. Abreviação de informações, como clickbait e canais de corte, também são utilizadas para atrair eleitores e colocar o deputado no centro dos acontecimentos políticos. 

Embora o momento de virada da relação dos sujeitos com as redes sociais tenha sido determinante para favorecê-lo em sua estratégia oportunista, outros fatores o ajudaram. A estratégia de Kim se fortaleceu a partir da postura que adotou frente ao cenário que as redes o possibilitaram, usando o artifício da personalização para se postular como outsider. Ou seja, de se colocar à frente das ações políticas como o “sujeito que faz”, e não necessariamente, vinculado a um partido político. Aqui se apresenta o que identificamos neste estudo como um exemplo da diferenciação entre a democracia de partido e a democracia de público.

5. VARIÁVEIS DE INTERESSE

A eleição de Kim Kataguiri, assim como outros políticos que o sucederam, são a representação da ruptura do status quo da política partidária. No Brasil, a democracia representativa e partidária, apesar de existir em sua técnica, não é completamente fiel ao conceito original. Esse modelo baseia-se, segundo Manin, essencialmente na figura do partido político como forma de “organização da expressão da vontade do eleitorado” (Manin, 1995, p. 1). 

O “governo de partido”, como explica Bernard Manin (1995), que ganhou força com a extensão ao direito de voto e tinha como clivagens eleitorais os reflexos de divisões de classe (p. 11), perde espaço para um novo formato: a democracia do público. 

Isso porque, quando toma-se como referência partidos ligados a classes ou defesa de interesses específicos, como o PT e o Partido Social Cristão (PSC), essa é uma definição que emprega-se com certa segurança. No entanto, ao ater-se a partidos sem bandeiras muito claras, e que lidam com a política de forma fisiológica, como o Movimento Democrático Brasieliro (MDB) ou o antigo Democratas (DEM), é comum que a aproximação se dê majoritariamente pelas propostas, ideais e postura do candidato, não necessariamente pelo partido ao qual ele está vinculado. 

Mesmo que dentro do parlamento o político esteja condicionado a votar seguindo as orientações de seu partido, para a população a orientação partidária não tem tanto peso quanto às particularidades do indivíduo ou movimento ao qual ele representa. Segundo Manin (1995, p. 15), “cada vez mais os eleitores tendem a votar em uma pessoa, e não em um partido”. Isso é fruto da crise de representação política que ocorre por falta de identificação com os partidos, e a criação do sentimento de conexão e relação entre candidato e eleitor. 

Em 2022, uma pesquisa do Instituto Ipsos deixou clara a descrença no sistema político tradicional: seis a cada 10 brasileiros acreditam que partidos não se importam com a população[2]2. As Jornadas de Junho foram motriz para o despertar do descrédito da população nas instituições e a criação da sensação de pertencimento de uma população, que até então estava dissipada, com um movimento organizado que questionava o governo e tudo que estava estabelecido até aquele momento.

“A exploração de componentes emocionais em campanhas políticas não é novidade em nenhum contexto eleitoral; a novidade é a incorporação das redes digitais e da forma de disseminar o ódio aos adversários políticos e o arruinamento de reputações” (Segurado, R; Chicarino, T. p. 15).

O uso das redes nesse período foi o elemento determinante para a eleição de Kim Kataguiri. Como líder do movimento, seu nome foi amplamente vinculado a toda a “luta” travada entre o MBL e as instituições. Ele tornou-se “a cara” das Jornadas de Junho. Se as eleições de 2018 “inauguraram uma nova forma de se fazer campanha eleitoral” (Segurado, R; Chicarino, T. p. 10), as Jornadas de Junho inauguraram uma nova forma de se apresentar como candidato. 

A alta exposição somada ao consumo e produção gerada pelas mídias do MBL permitiu que Kim tivesse projeção nacional sem a necessidade de estar em todos os cantos, ou viajar por todos os estados. Ele tornou-se figura pública e política, que combatia a política ali estabelecida. Tal qual Bolsonaro nas eleições de 2018, Kim Kataguiri alçou o eleitor um patamar acima. A população passou a ter o “papel de personagem ativo da campanha como integrante de uma militância que atua constantemente nas discussões políticas e no compartilhamento de informações do candidato” (Segurado, R; Chicarino, T. p. 11). 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Kim surge em um momento sócio-político que reúne três fatores fundamentais para destacá-lo como um fenômeno: crise de representatividade partidária, descrença nas instituições (endossada pelo MBL) e a expansão do uso das redes sociais como veículo de disseminação de ideias e mobilização social. Ele ganha notoriedade não apenas por sua performance oportunista, mas por também abrir o caminho para uma série de novos outsiders conquistarem espaço na política brasileira seguindo sua receita de alcance. 

O ambiente digital altera as regras da comunicação pública aproximando sujeitos, antes inacessíveis, ao público comum, agravando a dinâmica que nesta nova configuração já não conta mais com filtros ou intermediários no processo. Além disso, a possibilidade de troca e de publicação livre sobre ideias políticas é o que movimenta pessoas comuns em busca de identificação, porque é no meio digital que elas se encontram em suas similaridades, “[…] como uma espécie de contato emocional entre os usuários de internet, que veem a raiva dos outros ou o descontentamento dos outros, e se reconhecem nisso” (Gerbaudo, 2022). 

E foi neste mundo virtual que Kim construiu a sua jornada de herói. O enredo que o projeta como figura destemida que levaria a voz das ruas para o Planalto, transforma-se em realidade à medida que seu poder de mobilização e convencimento aumentam, resultando na chegada ao Congresso. Kim supera a barreira da necessidade de uma legenda, tornando-se a personificação de sua narrativa, um marco na democracia de público. 

Contudo, é fundamental ressaltar que a trajetória de Kim pouco tem a ver com sorte. Todo o cenário fortuito em que ele se estabeleceu só foi possível por sua capacidade de adaptação. Além disso: 

os estados que nascem subitamente — como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem depressa — não podem formar suas raízes e ramificações, de modo que sucumbem na primeira tempestade. A menos que — como já disse — aqueles que repentinamente se tornaram príncipes sejam de tanta virtù que saibam rapidamente se preparar para conservar aquilo que a fortuna lhes colocou nos braços e estabeleçam depois os fundamentos que outros estabeleceram antes de se tornarem príncipes (Maquiavel, N. p. 28).

O jovem Kim, não apenas enxergou a oportunidade que se formava com a consolidação do uso das redes sociais, como explorou o sentimento de revolta e descontentamento de uma população já cansada e de opinião pré moldada pelo governo. A virtù de Kim foi sua perspicácia em se enxergar e se postular como herói e salvador de uma nação que “acordara” para um sentimento adormecido. 

Kim venceu e abriu as portas para um novo modelo de propaganda eleitoral, transformou o eleitor em protagonista político e sobrepôs-se à sua legenda, fazendo do partido algo que é relevante apenas dentro das instituições governamentais. Kim Kataguiri é a origem do partido do eu. 


  1. O keynesianismo é uma teoria econômica formulada pelo economista John Maynard Keynes, que defende que deve haver a plena ação do Estado nas políticas econômicas de um país para atingir o pleno emprego e o equilíbrio econômico. ↩︎
  2. Edição de 2022 da pesquisa “Broken System Sentiment”, do Instituto Ipsos, que foi realizada em 28 paísesentre os meses de setembro e novembro. ↩︎

REFERÊNCIAS 

BARROS. T; LAGO, M. Do que falamos quando falamos de populismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 

CHICARINO, T., SEGURADO, R. Um candidato customizado: as eleições presidenciais de 2018 e o papel das redes tecnosociais. In: Eleições 2018 e perspectivas para o novo governo. Disponível em: Cadernos Adenauer XIX, vol. 1, Pág. 9-24. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, abril, 2019. 

DARDOT, P., LAVAL, C. A nova razão do mundo : ensaio sobre a sociedade neoliberal ; tradução Mariana Echalar. – 1 ed. – São Paulo, SP: Boitempo, 2016. 

Filtros Bolha – Eli Pariser TED 2011. Online, 2014. Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=HKtvkvPNAsw. Acesso em 03 de maio de 2023.

GERBAUDO, P. CORE Talk sobre la Esfera Pública. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CmMYlHEFaJU. Acesso em 09 de junho de 2023. 

MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. Rev. Bras.Ci.Soc. V.10 n.29. São Paulo, out. 1995. 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Martins fontes, 1996. 

ROSAS, J.C., FERREIRA, A.R. Ideologias políticas contemporâneas. Coimbra: Almedina, 2014. Disponível em: https://livrogratuitosja.com/wp-content/uploads/2021/03/Ideologias-Politicas-Contemporanea s-by-Joao-Cardoso-Rosas-Rita-Ferreira-z-lib.org_.epub_.pdf. Acesso em 18 de julho de 2023. 

SANTOS, J. G. B.; CHAGAS, V. Direita transante: enquadramentos pessoais e agenda ultraliberal do MBL. Matrizes, vol. 12, núm. 3, 2018, pp. 189-214, Universidade de São Paulo, Brasil. 

VENERA, J. I., & SCHIAVONI, D. (2021). Análise do discurso de Kim Kataguiri na Folha de S. Paulo no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Revista Brasileira De Ensino De Jornalismo, 10(27), 57-72. Disponível em:  https://rebej.abejor.org.br/index.php/rebej/article/view/314. Acesso em 03 de maio de 2023.


*Camila Machado

Graduada em Publicidade e Propaganda, trabalha com gestão de marcas e pesquisa de mercado.


**Florence Perez

Graduada em Jornalismo, trabalha com gestão de informações e pesquisa para comunicação institucional e governamental. Possui também experiência em marketing eleitoral. Atua há 10 anos em campanhas políticas.


***Letícia Linhares

Graduada em Jornalismo e pós graduada em Análise e Marketing Político, atua há 13 anos como profissional de Relações Governamentais e analista política.

 


****Mayara Portugal

Graduada em Jornalismo, trabalha com educação e marketing de conteúdo. Tem interesse nas áreas de Comunicação e Psicologia, especialmente como as dimensões do íntimo e do social interferem na formação de subjetividade das pessoas.

Publicado por Neamp

Editor

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