O meme que se tornou presidente

Fernanda Melo Terra*

O papel da comédia é abordado desde os filósofos gregos, como Aristóteles. Em seu livro Poética, a comédia é a mimese de homens inferiores, de toda espécie de vício. Entretanto, a origem da comédia permanece oculta (p. 67). Aristóteles usou cinco termos para se referir à comédia, traduzidos por Paulo Pinheiro como: homens inferiores, vício, feio, erro e vergonha.

Os intérpretes relatam a dificuldade de compreender o que Aristóteles realmente quis dizer com essas definições. Porém, é interessante perceber os desafios de se definir o gênero cômico. Por vezes entendido como um estilo que deveria ser “engraçado”, os teóricos questionam a forma de se trabalhar a comédia nas narrativas.

No caso do cinema, Christopher Booker, em seu livro The Seven Basic Plots aborda a comédia na cinematografia. Não se trata de um gênero que leva as pessoas a darem risadas. Por meio da narrativa, trabalha-se a desordem, confusão e desentendimento (p. 107).

Já nos campos de estudos específicos sobre humor, é necessário diferenciar uma piada e jogos engraçados da comédia e ironia para facilitar os estudos científicos (ATTARDO, 2020). Essas diferenciações, de acordo com Salvatore, são importantes para as classificações e definição de taxionomias para compreender as especificidades do humor.

Os estudos sobre humor não são restritos ao campo literário, cinematográfico ou linguístico. Deve-se ir além para compreender como seus aspectos fazem parte de um código social e representa características culturais. Assim, inevitavelmente, chega-se ao contexto da internet, para compreender como o humor possui diversas manifestações em vídeos, notícias, memes, charges etc., chegando para o viés político.

Os pesquisadores apontam que o número de memes políticos teve um aumento significativo a partir das eleições de 2014[1], demonstrando a importância de analisar este fenômeno. Para os autores, na lógica do meme, utiliza-se uma linguagem popular com um apelo visual que banaliza ou ridiculariza a imagem do político e possui elementos da cultura popular. Também se percebe o uso de uma estratégia, também dos políticos, como forma de viralizar os memes para campanha política.

No mesmo ano de 2014, foi quando Jair Messias Bolsonaro passou a ser representado como “mito” por meio de memes. Após o episódio no Congresso, em que ele disse para a, então, Deputada Maria do Rosário, que ela não merecia ser estuprada, o que resultou em um processo indenizatório, uma série memes surgiram com suas falas, com a música Turn down for what, que indicava alguém que “mitou”, “lacrou” ou “jantou” a outra pessoa pelo que disse.

Nos primeiros memes, além da música, Bolsonaro aparece com este óculos em pixels, o que se tornou um dos principais elementos dos seus memes. Depois dessa popularidade, os óculos chegaram a ser comercializados nos sites de Marketplace. Alguns anúncios foram excluídos, mas ainda é possível encontrar unidades[2].

De acordo com a jornalista, Carol Pires[3], foi após este meme que a imagem de “mito” de Bolsonaro passou a ser divulgada na internet. Além dos memes e Gifs, é possível encontrar vídeos no YouTube com falas do atual presidente, consideradas “lacradoras”, com a música Turn down for what com datas a partir de 2015. Neste primeiro vídeo, datado em 05/08/2015 percebe-se a transformação do meme para a linguagem audiovisual:

Já neste vídeo mais recente de 23/04/2022, mostra um vídeo com “Top 10 Melhores Tiradas de Jair Bolsonaro” do Canal “Só mitadas – Bolsonaro”:

A figura do mito é o que permeia os memes produzidos pelos bolsonaristas como alguns exemplos, além dos vídeos:

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=m3i9OHjnA0I

Diferentemente do que acontece com outros políticos, Bolsonaro foi favorecido pelo uso dos memes. Afinal, o “mitou” utilizado por sua base colaborou para a construção de sua imagem de “mito” gerando identificação com uma parcela da sociedade, culminando em sua vitória nas eleições de 2018. Apesar dessa linguagem não favorecer a maioria dos políticos, justamente pela depreciação ou ausência de seriedade, no caso de Jair Messias Bolsonaro o efeito dos memes é justamente o oposto.

Referências

ARISTÓTELES. Poética. 2º Ed. São Paulo. Editora 34. 2017.

ATTARDO, Salvatore. The Linguistics of Humor. 1º Ed. Londres. Oxford University Press. 2020.

BOOKER, Christopher. The seven basic plots – Why we tell stories. 2º Ed. Londres. Continuum. 2005

Notas

[1] Artigo acadêmico realizado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro:  A política dos memes e os memes da política: proposta metodológica de análise de conteúdo de memes dos debates eleitorais de 2014

[2] https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-1028957359-oculos-de-pixel-thug-life-turn-down-for-what-seja-o-mito–_JM

[3] A afirmação está no quarto episódio do podcast Retrato  :https://open.spotify.com/episode/2JrxUgnONvqS25yFbvjeVT


* Fernanda Melo Terra é Tecnóloga em Design de Animação – Senac | SP; Teologa pelo –  Seminário Evangélico do Betel Brasileiro; Mestranda em Ciências Sociais – PUC | SP

Publicado por Neamp

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