Vera Chaia1
No 1º semestre de 2022, ministrei para os alunos de mestrado e doutorado, a Atividade Programada (ATP) Humor e Política, no PPG em Ciências Sociais da PUC-SP, que teve como objetivo explorar duas áreas de conhecimento: Comportamento Político e Comunicação Política.
O curso teve uma dupla preocupação: estudar e debater as teorias que fundamentam o humor na política; e, também, analisar a produção brasileira recente do humor apresentada nas charges, televisão e Internet. Pretendeu-se, desta forma, dar significação a um tipo específico de ativismo político que permite o aguçamento do conhecimento crítico. Abaixo, a relação dos trabalhos produzidos2.
Tal interesse nesta área, é oriundo da pesquisa que estou desenvolvendo, enquanto pesquisadora do CNPq, cujo objeto de estudos é analisar os programas veiculados no YouTube e na Televisão, pelo ator, escritor e ativista Gregório Duvivier, bem como estudar a produção literária.
Recuperando a discussão sobre a Comunicação Política, podemos afirmar que é uma área em fortalecimento e expansão dentro das Ciências Sociais e envolve estudos interdisciplinares e que tem como preocupação analisar, os processos políticos que envolvam principalmente pesquisas sobre as eleições, objetivando compreender a criação das imagens de realidades políticas e/ou candidatos, partidos políticos. Visam também estudar as ações de comunicação que podem adotar distintas mensagens, como os debates políticos, a publicidade política, as mensagens informativas e as que envolvam o humor político e os talk-shows.
Maria José Cánel (1999: 230) aborda e enfatiza no seu livro sobre Comunicação Política as várias áreas de trabalhos desta temática: estudos que se centram nas ações de comunicação, isto é, nas distintas formas que pode adotar a mensagem da Comunicação Política: debates políticos – organização, desenvolvimento e efeitos dos debates políticos; publicidade política, que inclui os conteúdos (aspectos visuais e textuais), as questões jurídicas e os efeitos da mensagem publicitária nos cidadãos; mensagens informativas dos eventos político-comunicativos que remete a rodas de imprensa ou resumos de imprensa das instituições; mensagens de ficção que remete ao humor político ou os talk shows; além de analisar a cobertura que os meios de comunicação dão às instituições políticas ligadas ao Poder Executivo, como também ao Legislativo e ao Poder Judiciário.
Abordagem teórico-metodológica
Citando Shaw, aquele autor sintetiza a hipótese do agenda-setting:
“em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligência elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas” (SHAW apud WOLF, 1994: 130).
Portanto, o pressuposto básico do agenda-setting é que, se os indivíduos não possuem um repertório próprio sobre um determinado tema, recebem esses conhecimentos e assimilam a realidade social por meio do prisma dos mass media.
Wolf analisa a hipótese da agenda-setting e aponta quatro fases nos meios de comunicação: fase de focalização, que colocam em 1º plano um acontecimento, uma ação, um grupo, uma personalidade; fase do framing onde o objeto focalizado pela mídia possui um determinado enquadramento, e deve ser analisado a partir de um quadro interpretativo; fase em que a mídia associa acontecimentos a uma vivência constante e, no caso, o objeto se torna parte de um panorama social e político reconhecido; fase em que o tema adquire peso e indivíduos se tornam seus porta-vozes e comandam a atenção da mídia (WOLF, 1996).
Na avaliação de Fernando Antonio Azevedo (2002:11):
“a ideia-força implícita na noção de agenda-setting é a de que: (1) a mídia ao selecionar determinados assuntos e ignorar outros define quais são os temas, acontecimentos e atores (objetos) relevantes para a notícia; (2) ao enfatizar determinados temas, acontecimentos e atores sobre outros estabelece uma escala de proeminência entre esses objetos; (3) ao adotar enquadramentos positivos e negativos sobre temas, acontecimentos e atores constrói atributos (positivos ou negativos) sobre esses objetos: (4) há uma relação direta e causal entre as proeminências dos tópicos da mídia e a percepção pública de quais são os temas (issues) importantes num determinado período histórico”.
Portanto, além de definir o que se deve pensar, envolvendo uma “construção social da realidade”, define-se como pensar, com a incorporação da noção de enquadramento. Esta noção pressupõe uma ênfase no tom da notícia e um determinado enfoque preferencial estabelecido pela seleção das fontes e pelo aspecto privilegiado da matéria.
O que observamos é que existe um vínculo entre a sequência das conjunturas políticas e da agenda política brasileira, gerando novos temas de pesquisas na área de Comunicação Política. Com a criação de novas ferramentas a serem utilizadas na Internet é que a disseminação das informações, a mobilização e a participação política ganham outras formas de ação, agora amplificadas com os blogs, com o Twitter e como o Instagram e Facebook. Os processos de transformação tecnológica e de comunicação provocam novas formas de participação, de convocação política e de mobilizações populares.
Na concepção de Zepeda, Franco e Preciado (2014:2):
“O humor sempre acompanhou a política. Desde os tempos antigos, o humor foi usado como parte das estratégias satíricas e irônicas do povo para criticar os maus governos. Assim, por um longo tempo, os comediantes foram perseguidos pelo poder político estabelecido. Depois, o humor foi usado como parte das estratégias das elites dominantes para entreter e agradar as pessoas ou dissuadi-las de criticar o poder estabelecido”3.
Elias Saliba (2017:3), um dos mais significativos pesquisadores sobre o humor afirma:
“O humor é parte essencial da natureza humana, instrumento a serviço da perpetuação da espécie? Ou um produto cultural mutável no tempo, fluido e historicamente gerado? Embora excessivamente geral ou talvez exatamente por esta amplitude, a questão vem percorrendo a agenda de várias disciplinas com cruzamentos interdisciplinares tão inusitados e surpreendentes quanto o próprio tema do riso e do humor”.
Neste sentido, Saliba realça as relações entre natureza humana e dimensão sociocultural que estão na base de uma perspectiva interdisciplinar para abordar o humor. E, assim, continua o autor:
“O humor, ainda que assuma muitas formas diferentes, não pode ser reduzido a uma única regra ou fórmula. Em vez disso, devemos vê-lo como um processo de resolução de conflitos. Neste sentido, o humor é um processo, não uma visão ou um comportamento. É o resultado de uma batalha em nosso cérebro entre os sentimentos e os pensamentos, uma batalha que só pode ser compreendida ao se reconhecer o que causou o conflito. Noutros termos, o humor às vezes é a única forma de lidar com o turbilhão da vida.” […] …o humor é um produto cultural mutável no tempo, fluido e historicamente gerado?” (SALIBA, 2017:9-10).
Ao analisar estes atores, humoristas, pretendemos compreender a agenda setting, ou seja, quais temas estão presentes no contexto de produção de seus programas e da reflexão, bem como o enquadramento das representações.
Para Gregório Duvivier, um dos criadores do Porta dos Fundos, o direito de rir da política e dos políticos do Brasil está bastante restrito. “A elite [do Brasil] não tem esse hábito de rir de si mesma. Se você ri de quem tá no poder, a pessoa tem o poder de te processar. Se vai rir de um político, você tem que trocar o nome do político para brincar com ele”, afirma (Tá rindo do quê?: As histórias cruzadas do humor e da política em um país que se assumiu chato – https://tab.uol.com.br/edicao/humor-politica/#page1 )
O programa GregNews de Gregório Duvivier, foi criado na HBO em 2017. A partir de uma análise preliminar dos programas constata-se que abordam temas estruturais da realidade da política brasileira, sob a capa do humor aparentemente despretensioso, que podem ser agrupados nas seguintes categorias: meio ambiente; violência policial; formação de opinião pública; personagens políticos como Jair Bolsonaro, Sergio Moro, Luiz Inácio Lula da Silva, Wilson Witzel, Renan Calheiros, Marcelo Crivella; Pandemia – quarentena, rebanho, subnotificação, profissionais de saúde, Ciência; comportamento político; corrupção; cotidiano, dentre outras categorias.
Por exemplo, uma das chamadas da HBO para divulgar o programa de Duvivier é a seguinte: “O programa da semana é para você que me odeia. Vamos falar do Bolsonaro. Confira o episódio da segunda temporada do Greg News! Toda sexta, às 22h, você assiste a um novo episódio na HBO Brasil. Para ver o Greg News na íntegra, acesse a HBO GO! Siga a gente no Facebook: @gregnews Siga a gente no Instagram: @gregnews_hbobr Siga a gente no Twitter: @gregnewshbo.

“Humor trabalha com tabu, ele trabalha com proibição”.
Fala Duvivier em entrevista dada à Fernando Haddad, 14/outubro/2019 https://www.youtube.com/watch?v=uyXgpj1TTYE
“Acho que o humor precisa de coragem. Quando você bate só em desfavorecido você só é mais um covarde. Tem gente que bate só em homossexual, mulher e negro, ou seja, tem humorista que bate nas mesmas pessoas que a polícia. É um desserviço. Você não tem coragem nenhuma nisso. Você tá falando o que o Brasil falava no século XVI”
Gregório Duvivier em entrevista dada no canal do YouTube de Fernando Haddad, 14/outubro/2019.
Duvivier, ainda participa ativamente como humorista e redator do programa Porta dos Fundos4, criado em 2012, com Fábio Porchat, Antonio Pedro Tabet, João Vicente de Castro e Ian SBF. Em 2015 a série ganhou espaço na FOX. Além das esquetes, o grupo produziu filmes e minisséries.
Muitas são as possibilidades para explorar esta vertente – Humor e Política. Assim, para desenvolver a presente pesquisa, levantou-se duas linhas de pesquisa para orientar o estudo:
Primeira linha de pesquisa: como já apontada anteriormente, os programas de humor crítico de Gregório Duvivier ganham maior significação frente a um cenário político que vem se formando no Brasil de crise dos partidos políticos e da ideologia, desconfiança e descrença nas instituições políticas e na classe política.
Segunda linha de pesquisa: como apontado ao longo do texto, pode-se supor que quanto mais a política tende a acentuar o personalismo em detrimento do funcionamento normal das instituições, mais o humor na política também tende a se ampliar exacerbadamente. Assim, o humor tenta dar conta de uma situação política frágil e esgarçada devido às incursões demagógicas nas práticas políticas no país.
Notas
1 Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Professorado Departamento de Ciências Sociais, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, pesquisadora do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política), do CNPq e da FAPESP.
2 Participaram da ATP e produziram artigos: Arthur Spada; Fabricio Amorim; Fernanda Melo Terra; Gianluca Florenzano; Juliana Berezoschi; Luis Henrique Antunes; Sandra Cavaletti Toquetão; Silvana Martinho (como pesquisadora convidada).
3 ZAPEDA, Andrés Valdez; FRANCO, Delia A. Huerta; PRECIATO, Octavio Adolfo Perez. O humor na estratégia de persuasão durante as campanhas eleitorais. Revista Brasileira de Ciência Política, no.13 Brasília Apr. 2014. pg. 2.
4 LIMA, Patrícia Cristina de. Porta dos Fundos: Humor e política nas webséries brasileiras. 2017. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Paulista, . Orientador: Carla Montuori Fernandes.
Bibliografia
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LIMA, Patrícia Cristina de. Porta dos Fundos: Humor e polítca nas webséries brasileiras. 2017. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Paulista, . Orientador: Carla Montuori Fernandes.
MCCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 2004, capítulo 1.
PORTO, Mauro P. “Enquadramento da Mídia e Política”, in RUBIM, A. A. Comunicação e Política: conceitos e abordagens, Editora Unesp, São Paulo, 2004.
SALIBA, Elias. História cultural do humor: balanço provisório e perspectivas de pesquisas rev. hist. (São Paulo), n.176, 2017
SWANSON, David L. El campo de la Comunicación Política: la democracia centrada en los Medio. In MUNÕZ-ALONSO, A. y ROSPIR, J. I. (directores de la edición). Comunicación Política. Madrid, Editorial Universitas, S.A., 1995.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação, Editorial Presença, 2ª parte, Lisboa, 1994.
ZEPEDA; FRANCO; PRECIADO. O humor na estratégia de persuasão durante as campanhas eleitorais, Revista Brasileira de Ciência Política, no.13 Brasília Apr. 2014.